*Sílvia Piva

Em nosso texto anterior, tratamos sobre a Hipótese Metaverso e como os wearables de realidade aumentada trazem desafios éticos e jurídicos.

Metaverso, vale reforçar, ainda é uma hipótese. Enquanto uma hipótese pode ser concebida como o uso da Web de forma imersiva, na qual a realidade virtual (que também é real) se funde à experiência física, a partir de uma interação total com as atividades do indivíduo.

Matthew Ball define metaverso em seu livro The Metaverse — que é leitura obrigatória sobre o assunto – como “uma rede massivamente dimensionada e interoperável de mundos virtuais 3D renderizados em tempo real que podem ser experimentados de forma síncrona e persistente por um número efetivamente ilimitado de usuários com um senso individual de presença e com continuidade de dados, como identidade, histórico, direitos, objetos, comunicações e pagamentos”.

Não temos, ainda, nada parecido com o que Ball descreve. Num cenário exploratório, hoje conseguimos usufruir de um pseudometaverso, um metaverso em sua versão 1.0 ou protometaverso, como na visão de Ball, que nada mais é do que o metaverso-plataforma. Hoje acessamos algo que intenciona ser um metaverso um dia, mas que, na verdade, são plataformas centralizadas e proprietárias, que permitem atividades imersivas de forma bastante limitada.

No conceito trazido por Ball, ainda há grandes evoluções tecnológicas pela frente para que ele aconteça de forma plena.

A questão é que esta hipótese e promessa já se apresentam em nosso imaginário como conexão de pessoas, que criam oportunidades econômicas, de conhecimento, relacionamento, direitos e deveres. E isso já movimenta estimativas grandiosas de investimentos. Já se fala em trilhões de dólares até 2030.

Nesses “lugares” que andamos transitando e que já estamos chamando de metaverso, o Direito tem buscado sua participação: ressignificar o atendimento aos clientes, realizar audiências, competições jurídicas, experiências educacionais, transmissões ao vivo e debates. A curiosidade e a busca por novas experiências e conhecimento tem levado profissionais da área jurídica a uma aproximação intensa ao assunto.

Estamos, de fato, explorando aquilo que pode e deve ser o caminho de acesso para que novas experiências sejam vivenciadas, quer no âmbito dos negócios, quer no relacionamento interpessoal.

Mas muito além dessa dimensão de uso, o Direito enquanto ciência terá um papel fundamental nos próximos anos: o de mapear os desafios e implicações jurídicas do metaverso.

De olho nos desafios jurídicos e sociais trazidos pelo metaverso

No ano de 2022, na reunião anual do Fórum Econômico Mundial (WEF) em Davos, na Suíça, o tema foi bastante abordado. Por lá, foram mapeados os principais desafios trazidos pelo metaverso que deverão ser trabalhados desde já, pois, ao ser um ambiente mais intrusivo, facilitará:

  • o acesso a cibercrimes, fraudes, compartilhamento de imagens e dados sem consentimento;
  • o uso de avatares para atividades ilícitas e sexuais, inclusive de menores de idade, em troca de criptoativos;
  • abuso digital;
  • lavagem de dinheiro;
  • comportamentos inadequados e sem moderação e crimes de racismo e bullying.

Exigirá, também, uma nova e importantíssima contextualização dos Direitos Humanos no que se refere aos dispositivos de realidade virtual e aumentada.

As diretrizes em prol de usos melhores serão apresentadas em 2023, na próxima edição do WEF, especialmente em virtude do trabalho que vem sendo elaborado pela Coalizão Global para Segurança Digital, uma plataforma público-privada com representantes de todo o mundo que busca desenvolver colaboração para boas práticas no ambiente digital, bem como para criar diretrizes para o design de tecnologias e para a segurança digital.

Além dos pontos que estão sendo pesquisados pelo WEF, há também questões positivas que devem ser comentadas. As cifras extraordinárias que movimentarão o ecossistema de desenvolvimento do metaverso, além de impulsionar oportunidades de novos modelos de negócio, permitirão novas oportunidades para marcas, varejo, mercado imobiliário, eventos e um sem fim de possibilidades para explorar novos formatos criativos de consumo, conhecimento e interação ainda nunca vistos — um cenário de muitos avanços e também de novas demandas jurídicas. Vale a pena ficar de olho.

 

*Movida pela conexão de saberes e pela inquietude, Silvia Piva é advogada, professora e fundadora da Nau d’Dês. É Doutora e Mestra em Direito pela PUC-SP e integra os times de pesquisadores da PUC-SP, FGV-SP e Instituto Legal Grounds.

Este texto foi publicado originalmente no Estadão.