A construção da sociedade — e, por consequência, de suas regras que formam o Direito — foi e é pautada em uma visão voltada aos seus membros, isto é, uma visão antropocêntrica. Com a humanidade no centro, a partir de uma perspectiva arraigada em que nos enxergamos como seres superiores e separados da natureza, onde a apenas a inteligência humana é reconhecida (sobretudo na visão ocidental), as relações com o contexto deram margem para uma exploração desenfreada de recursos do planeta, o que nos trouxe até um ponto crítico em termos ambientais e sociais.
Essa separação entre homem e natureza está presente desde a divisão do conhecimento, como por exemplo na filosofia, quando se separa o sujeito do objeto. Isso também é uma prática comum nas ciências, já que para analisar um objeto, o separamos de todos os fenômenos que o circulam. Mas o que é um objeto sem o seu contexto?
Com as constantes evoluções tecnológicas, especialmente as digitais, conseguimos enxergar outras espécies como seres inteligentes, bem como formas de inteligência não humana que compõem um novo contexto de decisão e influência. Se antes os humanos já não estavam sozinhos, agora enxergamos os novos atores que impactam diretamente o funcionamento da sociedade e as suas implicações jurídicas. Algoritmos, vírus, natureza, seres humanos. Há em tudo isso uma grande interconexão.
Uma abordagem complexa para enxergar caminhos
Esse novo contexto nos coloca diante da obsolescência de conceitos tidos como definitivos, como o de sociedade. Quem nos traz uma visão interessante sobre o tema é o antropólogo Bruno Latour, que propõe uma substituição da ideia sociológica do social pela ideia de redes formadas não apenas por atores humanos, mas por diversas entidades que, por meio dessas redes agregativas, contribuem para a realização e o desfecho de uma ação, intervindo e influenciado as ações nesse meio. Assim, estaríamos diante de um social mais complexo, composto por humanos e não humanos.
Se pensarmos o social a partir dessa nova perspectiva, perceberemos que o sistema jurídico não dá conta dessa complexidade. Com leis criadas pelos homens e para os homens que desconsideram esses outros sistemas inteligentes, sejam eles naturais ou artificiais, estamos nos distanciando simbolicamente de um contexto que é determinante e indissociável da nossa existência. A verdade é que estamos totalmente interconectados. Quando falamos de futuros, portanto, não podemos pensar que estes devem ser projetados apenas em função do humano. Teremos que contemplar o nosso entorno. Será que conseguiremos perceber isso a tempo?
Para saber mais sobre o assunto
Neste post, abordamos o conceito de Antropoceno e a urgência de se pensar em novos modos de vida que sustentem a existência humana na Terra.
Neste ensaio, falo sobre a simbiose humano-tecnológica e a necessidade de revisão sobre conceitos como o de sociedade para dar conta dos fenômenos da era digital.
Bônus: neste episódio do Café Filosófico CPFL, a professora catedrática Lúcia Santaella fala sobre quatro grandes questões do nosso tempo, entre elas a inteligência artificial e o Antropoceno.
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