*Sílvia Piva

O metaverso pode ser concebido, enquanto hipótese, como o uso da Web de forma imersiva, na qual a realidade virtual — que também é real — se funde à experiência física a partir de uma interação total com as atividades do indivíduo.

É assim que iniciamos este artigo, buscando tangibilizar um conceito amplo e menos técnico sobre aquilo que ainda está em nosso imaginário. Até a palavra tangibilizar soa estranha quando falamos de metaverso, porque estamos falando de algo que vai além do mundo físico, do mundo tangível. Não teremos unanimidade nesse conceito e nem nos mais de trinta existentes sobre o mesmo assunto.

Também não sabemos ainda se teremos a posse de todos os ativos e de nossos dados no metaverso, ainda que isso seja muito desejado e propagado por todos os que acreditam (eu, inclusive) em um modelo filosófico da Web3 e no uso da tecnologia blockchain para a potencialização do metaverso.

Mas o foco deste artigo não é tratar do metaverso enquanto esse ciberespaço que permite nossas atividades além do mundo físico, mas sim propor uma reflexão sobre como tecnologias que permitirão atividades imersivas (e que consequentemente alteram a nossa percepção) se encontrarão com os neurodireitos.

Ultrapassando a barreira do físico

Já sabemos que o desenvolvimento das relações humanas em rede se potencializa a partir das tecnologias digitais. Nossos pequenos grupos de relacionamento e poder podem continuar locais e, ao mesmo tempo, atravessar o planeta. Mas a hipótese metaverso nos faz poder ir além do físico tangível para construir novas possibilidades sensoriais e cognitivas a partir dos bytes e de todo o colorido e lúdico dos pixels, presentes nas atividades imersivas.

Ultrapassar o físico em atividades imersivas é, de certa forma, suspender uma série de crenças sobre aquilo que não podemos tocar. Não deixa de ser, como diria Santo Agostinho, um ato de fé para onde direcionamos nossa crença, mesmo sabendo não ser possível tocá-la.

O conceito de virtual, como aquele trazido por filósofos como Pierre Levy e David Chalmers, não é uma oposição do real e não tem uma perspectiva binária: são, na verdade, complementares e complexos. Assim, falar de realidade virtual significa dizer de uma realidade que existe de fato. E isso traz consequências importantes para explorarmos novas lentes do aspecto jurídico de todo esse contexto.

Na medida em que aumentam as atividades imersivas digitais, se potencializa o desenvolvimento de dispositivos vestíveis, tais como óculos, relógios, roupas, calçados que, acoplados ao corpo humano, permitem algum tipo de experiência — seja coletar dados e trazer informações de saúde, seja praticar atividades em explorações sensoriais diversas.

Pode ser que o metaverso sequer dependa de wearables, mas é possível que telas cada vez mais próximas dos nossos olhos sejam incorporadas ao nosso cotidiano e, por sua vez, estejam mais interligadas ao nosso cérebro, alterando as nossas percepções. Na medida em que o design de telefones celulares chega ao seu limite, o nosso corpo é apontado como a próxima rede, o avanço de dispositivos de realidade aumentada cresce e pode ser que seu uso encontre agora o seu público, finalmente.

Finalmente porque, ao menos desde a década de 1960, dispositivos de Realidade Aumentada são produzidos. Se antes se concentraram para fins industriais e de pesquisa e, mais tarde, para para a indústria dos games, esses dispositivos tiveram altos e baixos, seja pelo preço, seja pelo design pouco atrativo. Agora, esses wearables prometem trazer grandes mudanças para nosso cotidiano.

O mercado já acena para o grande lançamento da Apple em 2023, a Microsoft está no mercado com seu Holo Lens, e já vimos o protótipo da Mojo Lens sendo testado na China.

Os wearables, tais como óculos ou lentes de realidade aumentada, nos permitirão usufruir de sensações visuais intensas e até mesmo perturbadoras. Os itens vestíveis como luvas, controles e fones complementarão o contexto sensorial e prometem trazer uma alteração bem interessante e potente sobre a percepção humana. Um novo sensorium se manifestará em nós a partir desse conjunto de códigos que emergirá em interações no metaverso. Sentiremos e descobriremos coisas novas. E há muito mais a falar sobre este tema, mas fica para o nosso próximo artigo.

 

*Movida pela conexão de saberes e pela inquietude, Silvia Piva é advogada, professora e fundadora da Nau d’Dês. É Doutora e Mestra em Direito pela PUC-SP e integra os times de pesquisadores da PUC-SP, FGV-SP e Instituto Legal Grounds.

Este texto foi publicado originalmente no Estadão.