Com a PEC 29/2023, Brasil pode incluir a proteção jurídica da mente em relação a tecnologias como garantia fundamental

As evoluções tecnológicas têm nos surpreendido a cada dia. Ferramentas que há pouco tempo seriam inimagináveis estão tomando conta do nosso cotidiano — os novos óculos da Apple, Vision Pro, que mesclam realidade virtual e física de uma forma só vista na ficção, são prova disso. Agora, esse tema ganha um novo destaque no cenário nacional, com uma Proposta de Emenda Constitucional tramitando no Senado que busca garantir a proteção à integridade mental e a transparência algorítmica como direito fundamental, em tempos de inteligências artificiais e neurotecnologias.

A PEC dos Neurodireitos (PEC 29/2023) propõe a alteração da Constituição para incluir, entre os direitos e garantias fundamentais dos brasileiros, “a proteção à integridade mental e à transparência algorítmica”. A proposta é inspirada pela experiência do Chile, que foi o primeiro país do mundo a tratar os neurodireitos como direito fundamental.

O que são neurotecnologias?

De acordo com a Neurorighs Foundation, neurotecnologia é “qualquer tecnologia que registre ou interfira na atividade cerebral, especialmente a interface cérebro-computador”. É um termo abrangente para descrever um grande espectro de métodos, sistemas e instrumentos, que trazem conexão direta com o cérebro, cujas atividades possam ser registradas e influenciadas, com um  nível de interação muito mais profundo do que outras tecnologias a que já temos acesso.

Sobre uma bancada de mármore cinza, um rosto azul em 3d tem seu cérebro exposto, conectado a dois controles de videogame
Foto de Mo na Unsplash

O que são os neurodireitos?

Os neurodireitos são, em linhas gerais, definidos como “os princípios éticos, legais, sociais ou naturais de liberdade ou titularidade relacionados ao domínio cerebral e mental de uma pessoa; isto é, as regras normativas fundamentais para a proteção e preservação do cérebro e da mente humana”.

O termo foi cunhado por Sherrod Taylor no início da década de 1990, em Neuropsychology and Neurolawyers, onde o autor analisa a colaboração de neuropsicólogos e advogados no sistema de justiça norte-americano, em litígios relacionados a acidentes e lesões cerebrais.

Já Rafael Yuste, neurocientista da Columbia University e um dos fundadores do Neurorights Foundation, trata o conceito de neurodireitos como “novos direitos humanos para a era da neurotecnologia”. Em seu trabalho, o pesquisador busca “promover a inovação, proteger os direitos humanos e garantir o desenvolvimento ético da neurotecnologia” e elenca cinco pontos principais, cuja preservação se faz necessária com o advento das neurotecnologias:

  1. O direito à identidade ou a capacidade de controlar tanto a integridade física quanto mental;
  2. O direito de agência ou de livre pensamento e livre-arbítrio para escolher suas próprias ações;
  3. O direito à privacidade mental ou à capacidade de manter os pensamentos protegidos contra qualquer tipo de divulgação;
  4. O direito à capacidade de garantir benefícios e melhorias sensoriais, de forma equânime, a toda a população, a fim de evitar novos abismos sociais;
  5. O direito à proteção contra vieses algorítmicos ou à capacidade de garantir que as tecnologias não insiram preconceitos.

Alinhado a essa perspectiva, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também definiu nove princípios globais sobre as recomendações para a inovação responsável em neurotecnologia:

  1. Promover a inovação responsável;
  2. Priorizar a avaliação de segurança;
  3. Promover a inclusão;
  4. Promover a colaboração científica;
  5. Permitir a deliberação social;
  6. Habilitar a capacidade de supervisão e órgãos consultivos;
  7. Proteger dados cerebrais pessoais e outras informações;
  8. Promover culturas de administração e confiança nos setores público e privado;
  9. Antecipar e monitorar o uso não intencional e/ou uso indevido potencial.

Desafios jurídicos de um nova era de interação entre humanos e tecnologia

Para compreender a importância da PEC 29/2023, precisamos olhar para o rápido avanço das neurotecnologias e para a entrada, cada vez maior, de algoritmos de inteligência artificial em nosso cotidiano, desafiando a proteção jurídica até então disponível.

Especialistas acreditam que esses dispositivos vestíveis, que usam dados cerebrais, serão os protagonistas da era pós-smartphone e a promessa de desenvolvimento acelerado dessas tecnologias tem despertado, também, a consciência sobre a necessidade de proteção jurídica em questões como:

  • dependência digital, especialmente entre crianças e adolescentes;
  • falta de transparência sobre como os algoritmos são construídos e utilizados, o que leva ao risco de “viés algorítmico”, uma situação em que algoritmos podem perpetuar desigualdades sociais e práticas discriminatórias.

Esses são problemas que vão além da proteção de dados pessoais e atingem a própria integridade psíquica e física do ser humano.

O Brasil dá um passo adiante ao reconhecer a importância dos neurodireitos e propor incorporá-los à nossa Constituição. Traz, portanto, a possibilidade de um ter um novo direito humano no conjunto de proteção constitucional dos cidadãos ao dispor que o desenvolvimento científico e tecnológico assegurará a integridade mental e a transparência algorítmica, nos termos da lei.

Confira na Comunidade da Nau: neurotecnologias promissoras

Assim como o novo óculos de realidade mista da Apple, uma série de dispositivos vestíveis que fazem essa interface entre cérebro e computador estão chegando ao mercado. Veja aqui como o comando por movimento dos olhos do Vision Pro inaugura uma nova era dessa interação entre humanos e máquinas e tenha acesso a lista de neurotecnologias promissoras que devem impactar as discussões sobre esse mercado e a proteção da mente.