Dos dados à sabedoria: o que deve ser a Cultura data-driven na área jurídica
Boas análises de dados dependem da combinação entre o uso das técnicas e da bagagem humanística do profissional do Direito
Em plena era digital, em que a velocidade e o trânsito de informações de todos os tipos são contínuos e prementes nos mais variados setores econômicos, é inevitável afirmar que o Big Data (análise e interpretação de grande volume de dados variados) e que a cultura Data- Driven (da tomada de decisões baseadas em dados) são imprescindíveis para todos os profissionais daqui para frente, principalmente no campo do Direito.
Mas gostaria de propor uma reflexão sobre o que acredito ser realmente importante a respeito do tema, e que coincide com a recomendação dos principais especialistas em dados no Brasil e no mundo:
A necessidade do equilíbrio entre
- O desenvolvimento de uma cultura pessoal/empresarial de análise e interpretação de dados, que possibilite ao profissional jurídico a proposição de soluções, baseadas em dados, para ajuste dos negócios e/ou definição dos próximos passos dos clientes, visando a resoluções de conflitos;
- O uso do repertório cognitivo, emocional e de experiências pessoais do profissional do Direito para fazer boas análises e interpretações, que resultem em orientações corretas aos seus usuários finais (sejam eles os clientes, julgadores e demais steakholders);
Atualmente, temos à disposição inúmeras fontes de dados para verificar a performance de uma empresa ou negócio, as quais podem nos mostrar, por exemplo, o comportamento dos consumidores em relação aos setores, o que esperam e quais suas críticas sobre estes.
No campo do Direito, startups de tecnologia e grandes empresas do setor trabalham fortemente para catalogar os dados, de modo a trazer uma informação mais refinada aos que atuam na área jurídica. Cada vez mais, buscaremos a precisão do número de julgados sobre determinado tema e qual a posição de determinados julgadores sobre determinada matéria. De fato, o volume imenso de informações jurídicas precisa de tecnologia para catalogar esses dados, a fim de que estes possam servir de informação, especialmente num trabalho de jurimetria, cada vez mais almejado no Direito. E, com o avanço da melhor estruturação de dados, sejam eles públicos ou privados, profissionais da área jurídica irão substituir o feeling por uma informação concreta.
No entanto, ao mesmo tempo em que teremos, cada vez mais, melhores soluções para essa informação concreta – imaginemos que sonho lindo poder afirmar alto grau de acurácia o entendimento majoritário de determinado tribunal , sem ter muitas dúvidas de um julgado contrário surpresa aparecer de última hora – é preciso estar atento ao fato de que ao possuir tantos dados variados à disposição, valorizar e realmente praticar o uso do Big Data, se os profissionais jurídicos superestimarem tais informações, encarando-as como fim e não como meio para atingir seus objetivos, poderemos ter alguns problemas.
Os dados são realmente importantes, mas devem servir de base para a construção da análise e não ser a resposta em si. Dados devem servir para a construção de um raciocínio, mas, mais do que procurar as respostas que os dados fornecem, o que fará a diferença é procurar as perguntas que tais dados podem gerar. E a partir dessas perguntas, e até mesmo das críticas sobre esses dados, é que, normalmente, vêm respostas criativas para direcionar a estratégia na resolução do problema.
Gosto muito desse esquema, em que trabalhamos numa mentoria com o Humberto Mariotti e a Cristina Zauhy:
Ou então este exemplo que eu adoro (apesar de já ter sido bastante citado), extraído do site Mobimais http://mobimais.com.br/blog/dados-informacao-conhecimento-ideia-e-sabedoria/)
A imagem representada pode ser decodificada da seguinte forma:
“Dado
O dado é como um pingo de chuva.
Por exemplo: quando você está caminhando na rua e sente um pingo caindo em você.
Aquele fato não representa que está chovendo, pode significar um ar condicionado, um pássaro (putz!) ou qualquer outra fonte estranha.
Informação
Informação é a descoberta que vai chover.
Você olha para o céu e começa a perceber que existem nuvens escuras (outro dado), além disso, percebe que está pingando mais vezes. Então, nesse momento, a partir de vários dados, você chega à conclusão: vai chover.
Conhecimento
Vou me molhar. Esse é o conhecimento.
Quando você, a partir das informações que tem, pode prever o que vai acontecer, seja pelo histórico dos fatos anteriores ou por novas conclusões, está utilizando o seu conhecimento. Por exemplo: com a chuva vou ficar molhado, não poderei trabalhar molhado e não conseguirei entregar o relatório dos aplicativos.
Ideia
Soluções para esse problema são as ideias que você vai ter.
Comprar um guarda-chuva ou pedir um taxi no aplicativo? Criar um aplicativo de delivery de guarda-chuva e ficar milionário?
Sabedoria
A sabedoria é o que vai fazer com tudo isso. Qual a melhor decisão a ser tomada: se você vai pegar o taxi, comprar o guarda-chuva ou fazer o aplicativo.”
Subentende-se, então, que, para uma boa análise de dados, é preciso de criatividade, interação, troca de ideias, ou seja, repertório – capacidades essencialmente humanas. E aí está o ponto chave em relação ao tema, de acordo com o pesquisador de cultura analítica e cientista chefe do Cappra Institute, Ricardo Cappra:
“Data-driven não deveria ser apenas uma implementação técnica, precisa ser uma implementação cultural. Cultura analítica não se refere a criar ferramentas, se refere a tomar decisões de negócio baseando-se em dados. E a base da Cultura Analítica não pode ser ferramentas, precisa ser pessoas”, ressalta o pesquisador em artigo produzido para o site da empresa.
Nesse sentido, devemos entender que para ser data-driven e desenvolver a cultura analítica, é necessário o desenvolvimento de algumas hard skills e soft skills.
A Matemática parece sempre nos trazer verdades como “os números não mentem”, e com isso, sofremos o risco de considerar uma conduta de “busca da verdade” nos dados. Mas, apesar da Matemática ser poderosa, é fundamental a sua união e intersecção com a capacidade humana de interpretar.
Assim, analises preditivas, inteligência artificial e outras ferramentas tecnológicas são importantes para o trabalho, abrem horizontes para melhores interpretações, porém, devem ser encarados como meios para um fim, especialmente: o de incluir o nosso repertório humano na equação.
O que fica de tudo isso?
Que os dados podem sim incrementar o seu conhecimento, mas, para tanto, é essencial combinar sua trajetória própria e estruturada de saberes – baseada na experiência, na observação, na ética e na boa formação de contexto – para que tudo isso contribua para a evolucão da cognição, não para seu retrocesso. Afinal, dados mal analisados podem ser superficiais e levar a afirmações ou negações bastante equivocadas.
E você, profissional do Direito, está convidado a refletir mais sobre o assunto comigo. Vamos trocar experiências?
Sílvia Piva
Fundadora Nau d’Dês,
Doutora e Mestra em Direito pela PUC-SP
Advogada
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